Quarto longa-metragem de Carlos Diegues, Quando o Carnaval Chegar sofre o contexto de sua época, ao mesmo tempo em que é nítido o esforço do realizador em não torná-lo restrito e datado ao período em que foi concebido. Impossível não contextualizá-lo nos tempos difíceis do governo Médici, os anos de chumbo pós-AI5, dos muitos exílios e repressões, além de um oba-oba proveniente de um falso milagre econômico (...). É a tradução de sua época, um momento específico e historicamente importante (ainda que ingrato, mas não desprovido de sua beleza) expresso na narrativa do começo ao fim.
Era também a primeira tentativa de Carlos Diegues em se aproximar de um público verdadeiramente maior. Consagrado por parte da crítica nacional e tendo merecido análises e entrevistas na Cahiers du Cinèma, os primeiros longas do diretor nos anos sessenta eram por vezes demasiados herméticos e alegóricos (e verdade seja dita, são os que mais envelheceram com o tempo dentre os representantes do Cinema Novo brasileiro). O próprio Diegues no final daquela década havia dito em entrevista na Cahiers que o Cinema Novo morrera. Quando o Carnaval Chegar é então o seu filme seguinte, o de retorno do exílio europeu e reencontro com a pátria naquelas condições em que agora a encontrara.
Foi também uma das primeiras oportunidades em que um diretor de sua geração experimentara o filme musical, esse gênero hollywoodiano por excelência, mas tão universal. No auge do Cinema Novo houve Garota de Ipanema (1967), de Leon Hirszman e com a nata da música brasileira da época, mas de resultados inexpressivos e logo esquecido. E, antes, houve a chanchada, é claro, que não propriamente pertencia ao gênero, mas onde se inseriam números musicais com os artistas da época, uma oportunidade do grande público em conhecer de perto os cantores que faziam sucesso na era do rádio.
Não seria absurdo pensar em Quando o Carnaval Chegar como um encontro entre duas filiações cinematográficas tão distintas como o Cinema Novo e a Chanchada, sem que nenhum lado pese tanto na balança. Há uma graça e leveza que remonta às produções da Atlântida (embora sem o humor tão característico) e é possível enxergar conotações políticas no filme de Diegues, embora estas não sejam tão acentuadas, e passado tanto tempo, já não interessem mais.
Quando o Carnaval Chegar é igualmente um encontro com alguns dos grandes cantores de sua época e um presente de Diegues para sua mulher, Nara Leão, que o acompanhara no exílio. Mas o filme será eternamente identificado a Chico Buarque de Hollanda, que compôs as canções da trilha sonora, incluindo a célebre faixa-título, que se sobrepõe à própria película no imaginário do público (também se encontram no filme grandes composições de Lamartine Babo, Braguinha, Joubert de Carvalho, Assis Valente, Nássara, Tom e Vinícius, etc.). Nara, Chico e Maria Bethânia são Mimi, Paulo e Rosa, um trio com todos com menos de trinta anos, que fazem parte de uma trupe de cantores de rádio que se apresentam pelo Brasil afora num ônibus multicolorido e fazendo a festa onde quer que estejam.
Mas há paixões, intrigas, dúvidas, discussões, incertezas, e ciúmes. Os personagens refletem os artistas que os interpretam. Paulo é o ídolo popular e estrela do grupo, a principal referência pela qual a trupe é conhecida. Rosa é a mais brincalhona e a que se diverte com tudo e todos. Mimi representa o contraponto à alegria expressa pelo filme, que joga toda sensação de desamparo para cima da personagem de Nara Leão. Completam o grupo o empresário Lourival (Hugo Carvana), e o motorista Cuíca (Antonio Pitanga), tocador do instrumento nas rodas de samba no morro de origem, sempre a espera de uma oportunidade no show. Destaque ainda para a parte do elenco que compõem o que seria os vilões de Quando o Carnaval Chegar: Elke Maravilha, como uma espectadora francesa que se envolve e ilude o personagem de Antonio Pitanga, além de José Lewgoy, de grande poder no mundo dos espetáculos, e seu capanga interpretado por Wilson Grey ─ os dois últimos citados, monstros sagrados da chanchada, o que remete ainda mais aos áureos tempos das produções da Atlântida.
Trata-se de uma turma que batalha e sonha, sofre e se decepciona, sempre no aguardo de alguma grande chance (tanto no trabalho quanto no dia-a-dia e no amor), em meio as suas alegrias e canções, e à expectativa de quando o carnaval chegar. Ainda que conte com certa ingenuidade eternamente ligada a quase todas as tentativas do cinema brasileiro em ser mais comercial, o filme de Carlos Diegues consegue um belo resultado ao utilizar a metáfora simples e nada nova (mas aqui tratada com grande competência) da vida associada ao carnaval.
Retirado de http://www.revistazingu.net/2011/03/quando-o-carnaval-chegar, por Vlademir Lazo.
"Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu, cantando":
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