Transpor obras literárias para o cinema não é simples e há sempre a idéia de que muita coisa ficou para trás. Fazer isso com um livro de Jorge Amado é, talvez, ainda mais difícil, pois ele traz peculiaridades bem baianas e pertencentes à literatura sua única. Mas é em Quincas Berro D´Água que essa lógica é subvertida.
O filme é uma adaptação do seminal “A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água”, que traz a história contada pelo defunto Quincas (Paulo José), rei da boemia e sacanagem baiana na década de 50 e que morre bem no dia de seu aniversário. A trama envolve muita confusão entre amigos, parentes e mulheres apaixonadas.
Jorge Amado é aclamado mundialmente, representante de uma cultura única baiana e de tradição que perdura até hoje. Muitas de suas obras viraram seriados, novelas e filmes e isso se deve ao estilo novelístico do autor (uma fase de sua carreira, obviamente. Sua obra é extensa e cheia de fases e nuances): Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Mar Morto, Terra Sem Fim, Capitães de Areia etc etc. O livro em questão é uma ode à picardia e um tapa na cara do status quo que conhecemos como vida bem sucedida: emprego, casa, mulher e filhos. E para viver esse personagem ninguém melhor que Paulo José.
O autor dá a seu personagem uma autenticidade impressionante. Se formos levar em consideração que ele passa a maior parte do tempo morto, o resultado conseguido por Paulo e o diretor Sergio Machado é mais incrível ainda. Quincas é um boêmio diferente: chutou o pau da barraca já velho e trocou a vida pacata da cidade alta pela putaria das ruas do Pelourinho. Vive bebendo, jogando e correndo atrás das mulheres fáceis. Faz tudo isso acompanhado de sua turma: Pastinha, Pé de Vento, Cabo Martim e Curió. São eles, aliás, o grande ponto cômico da trama. Claro, a própria situação do roteiro é surreal, mas os quatro amigos estão quase impecáveis em seus personagens, cada um com uma característica diferente e, até por isso, formam um mosaico interessante.
O realismo fantástico de Jorge se materializa nas ruas de Salvador. Nesse ponto, Sergio Machado é irreparável: como bom baiano, foge dos estereótipos fáceis, sotaques exagerados e atitudes sem sentido (sim, tudo de ruim de “Ó Paí Ó”, um desastre da recente cinematografia brasileira). Machado segue a lógica Amadiana e foca sua lente na inventividade dos pobres, na ginga do povo. E faz tudo isso com muito bom humor. As cenas trazem um humor afiado, exagerado quando é para ser, e comedido e certeiro na maioria das vezes. O quarteto de amigos faz de tudo: sobe e desce ladeira, briga, bebe, come, faz algazarra, é preso, dança e corre a cidade toda. E, claro, tudo acompanhado do morto.
SERVIÇO
Cineclube Buraco do Getúlio
Dia 09 de outubro, terça, às 20h
Casa de Cultura de Nova Iguaçu
Rua Getúlio Vargas, 51 - Centro - Nova Iguaçu
Próximo à Estação de Trem de Nova Iguaçu