domingo, 8 de maio de 2011

2º Filme do Ciclo Enlouquecendo

Ruy Guerra confessa - ele também se incomoda com Estorvo, o filme que adaptou do livro de Chico Buarque de Holanda. É um filme difícil, incômodo. O próprio Guerra concorda. Mas é um filme que precisava ser feito e ele se orgulha de ser o autor. Uma obra radical, que retoma a chama das mais importantes de sua carreira - um filme transgressor como Os Cafajestes, politicamente forte como Os Fuzis. Um filme jovem, arrojado e corajoso em sua proposta, feito por um homem de mais de 60 anos. Existe salvação para o cinema, fora das fronteiras de Hollywood.


Guerra confessa o que o atraiu no livro de Chico - "Foi o olhar sobre o mal-estar moral e político da sociedade contemporânea, essa malaise que se acentuou com a derrocada das ideologias, mas também foi a questão da linguagem; uma, aliás, não exclui a outra." Para expressar a malaise, Chico criou um livro perturbador. Desde o início, o leitor é amarrado na paranóia do narrador e o segue em seus deslocamentos cegos - a cidade não tem nome, ninguém tem nome, só o narrador tem acesso a pequenas verdades que não revela. É uma metáfora do Brasil (e do mundo) contemporâneo.


A malaise, a preocupação com a linguagem, tudo isso atraiu Guerra, mas ele pescou em Chico outras preocupações que lhe são próprias - a maneira de jogar com o tempo, o exercício de fragmentaçãocênica, como forma de traduzir essa realidade. Estorvo saiu, assim, como um filme que faz justiça ao título - é um estorvo, mas certamente oferece densidades e sutilezas, além de prazeres estéticos que se fazem cada vez mais raros. Um desses prazeres é descobrir o brilhante trabalho do diretor de fotografia Marcelo Durst. É uma das mais belas e elaboradas fotografias do cinema nos últimos anos. Os grandes nomes de Hollywood deviam tomar lições com esse jovem de 30 e poucos anos.



Tantos elogios à fotografia de Estorvo mexem com os brios do diretor e o levam a fazer uma retificação. "Falam no Marcelo como sangue novo, como se a concepção visual do filme fosse dele." Guerra assume o conceito fotográfico de Estorvo. Acha que isso não desmerece em nada o trabalho de Marcelo Durst, pois ele queria uma determinada coisa e contou com o gênio de seu jovem fotógrafo para torná-la viável na tela. Guerra queria uma fotografia em cores que se assemelhasse ao preto-e-branco - Durst proporcionou-lhe os meios técnicos de fazê-lo. De resto, o conceito é todo dele - movimentação e marcação da câmera, lentes. Guerra conta que os planos foram milimetricamente planejados por ele. Durst executou-os - com raro brilho. Merece totalmente o Kikito que o filme ganhou no Festival de Gramado(...)


É um filme radical - pela fragmentação da narrativa, pela dramaturgia (...) Estorvo passa um estranhamento, que é maior em razão da natureza do personagem. "Ele demora para se definir, há nele uma indiferença, um tanto faz; quando se define, deixa claro que o filme é débil como trama." Tudo isso incomoda, o próprio Guerra sente-se incomodado, mas o incômodo é essencial para transmitir uma certa reflexão (...) Ele acredita no filme que fez. Considera Estorvo um filme de rompimento, uma peça de resistência, por seu corpo a corpo com a linguagem e a realidade. É uma forma de prosseguir e levar adiante a experiência de Chico, seu parceiro em peças e músicas, pois no "Estorvo" de Chico o romance é o texto e o texto é o personagem, sendo o personagem (Perugorría, no filme) um marginal por sua falta de vínculos.

SERVIÇO
Cineclube Buraco do Getúlio
Dia 10 de maio, às 19h
Rua Getúlio Vargas, 51 - Centro - NI

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