quinta-feira, 20 de setembro de 2012

4º Filme do Ciclo Documentários Musicais

O ponto de partida de Fabricando Tom Zé é uma turnê do cantor e compositor baiano pela Europa. Um caminho com altos e baixos, acertos e erros: a banda é ovacionada em Paris; recebe vaias em Viennes e se envolve em uma briga nos bastidores do festival de Montreux, quando Tom Zé parte para cima do técnico de som do festival aos gritos de “vá pra porra” – grito de baiano “arretado” na Meca dos fãs de jazz. 

O documentário de Décio Matos Jr. descarta o tom laudatório e chapa branca e não tenta construir um verbete de enciclopédia (problema de certas biografias sobre figuras de importância “inquestionável”, acima do bem e do mal). Em Fabricando Tom Zé, temos apenas um homem vivo, com mais dúvidas que certezas. “Feio, pobre, baiano, filho da puta” é o resumo que Tom Zé faz de si mesmo após um momento de fúria. E os melhores momentos do filme são como esse: quando surgem, lado a lado, o retrato do “gênio” e da “besta” (na fórmula de O bandido da luz vermelha, de Sganzerla). Um gênio “com defeito de fabricação”.

Enfant terrible do tropicalismo, talvez exigente demais para os caciques Caetano e Gil, Tom Zé viveu no semi-ostracismo por quase duas décadas: desde os geniais discos dos anos 70 (como Todos os olhos e Estudando o Samba) até ser redescoberto por David Byrne (ex-Talking Heads), no início dos anos 90. A fórmula professada pelo músico é não ter autocomiseração. Tom Zé revela-se exigente e até mesmo perfeccionista com seu trabalho: vemos isso nas gravações de estúdio, nos ensaios com a banda, nos improvisos durante os shows. Arca com as conseqüências de fazer uma música sofisticada e ser mal-compreendido e achincalhado. Tudo isso está longe de ser simples. 

De certa forma simples são os depoimentos de Arthur Nestrovski e Arnaldo Antunes, que parecem estar lá para cair na lógica laudatória, lembrando a “importância inquestionável” do personagem. Melhor quando surgem Caetano e Gil (passando a limpo o passado) ou David Byrne explicando a resistência quando ele resolveu lançar discos de Tom Zé nos EUA. Misturando subdesenvolvimento e sofisticação, Tom Zé realiza a síntese de extremos. Daí porque talvez ele seja o mais tropicalista dos tropicalistas, o movimento que colocou em choque um Brasil ao mesmo tempo moderno e cafona. O próprio Caetano recorre ao excesso para falar de Tom Zé: gênio. 

Ou besta. Novamente a auto-ironia de Tom Zé resolve a parada ao declarar: “quando a gente não sabe tocar nada, a diferença entre o piano e a enceradeira é mínima”. E há algo mais contemporâneo do que tirar som de uma enceradeira?

Mas a grande surpresa do filme é mesmo Neusa. Jornalista que abandonou a profissão para se casar com Tom Zé e ser sua produtora, é ela quem o suporta (e lhe dá suporte). Neusa é onipresente, e é na face serena dela que o documentário consegue mostrar a dor e a delícia da existência de Tom Zé. É ela quem fala da dedicação do marido à música e das dificuldades durante os anos de esquecimento do público e das gravadoras. Em certo momento, Tom Zé confessa que sua vida é fazer Neusa feliz. Palavras que traduzem amor e – quem sabe? – alguma culpa. Como se a alta exigência dele desejasse fazer jus à dedicação dela.

O filme de Décio Matos Jr. é coerente às incoerências de seu personagem. Estão em cena o Tom Zé festivo, o Tom Zé irascível, o Tom Zé performer brilhante, o Tom Zé performer vaiado (às vezes ao mesmo tempo brilhante E vaiado). Dá até para perguntar porque o cinema brasileiro não abandona um ranço de “correção” e passa a retratar, no documentário ou na ficção, mais personagens com defeitos de fabricação. Personagens vivos, talvez demasiado vivos...

Retirado daqui.

SERVIÇO
    Cineclube Buraco do Getúlio
    Dia 25 de setembro, terça, às 20h
    Casa de Cultura de Nova Iguaçu
    Rua Getúlio Vargas, 51 - Centro - Nova Iguaçu
    Próximo à Estação de Trem de Nova Iguaçu

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